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domingo, 5 de agosto de 2012

Lealdade, ou nem tanto





Deixei a porta aberta mas não vieste atrás de mim.  E chamas a isso o quê? Lealdade? Qual lealdade?
Lealdade foi quando a minha irmã mais nova, pequenita e franzina, se meteu pelo meio daquelas 3 harpias matulonas, que me estavam a bater, no recreio da escola primária. Ela chegou lá e desatou ao empurrão e á chapada e a chamar-lhes tudo menos santas. Isso é que foi. De repente senti-me forte, desatei á chapada também e foi vê-las fugir. Foi a pequena que me deu força com a sua lealdade e ficámos unidas com aquela cumplicidade e aquele amparo invisível que demos uma á outra pela vida fora.
E quando o meu avô me trouxe um cãozinho bébé, que comprou a um amigo por 50 escudos, porque teve pena dele, que ia morrer afogado, pobre bicho. Lembro-me perfeitamente da cara sorridente do meu avô quando entrou em casa com aquele serzinho indefeso e amoroso. Adorei o cachorro desde que o vi, tão tímido, ao colo dele.
Eu tinha 7 anitos e uma vez, a meio da manhã , apareceu na escola á minha procura e sempre que eu saía, se não o prendessem, ele ia a correr e aparecia-me lá. Era uma festa.
Queres mais dedicação que isto?
Também me lembro daquela vez nas férias grandes quando eu, a minha irmã e mais 3 miúdas lá da rua, que brincávamos sempre por ali, ás escondidas, á apanhada, a andar de bicla, resolvemos aventurar-nos até aos lindos jardins da Alameda Afonso Henriques. Aquilo é que era correr na relva e andar no escorrega que era o corrimão das escadarias ao lado da Fonte Luminosa – saudades dessa Lisboa… muitas saudades.
Eu era a mais velha, já tinha 10 anos e quando o homem apareceu pressenti que algo não estava bem. Ele andava para cima e para baixo e de vez em quando estacava a meio das escadas a olhar para nós de uma forma esquisita. Comecei a estranhar. Quando ele se aproximou do nosso grupinho com a mão dentro das calças a abanar muito e a dizer coisas horríveis e asneiras, eu peguei em 2 basaltos que estavam no chão e gritei: - Fujam e peçam ajuda!!! …  E enfrentei-o com os basaltos na mão, ameaçadores.
Nunca soube se tinha pontaria porque elas fugiram para um lado a gritar e ele fugiu para o outro, levando a sua loucura para longe.
No final, as minhas pernas tremiam como varas verdes e eu de repente já nem sabia o que estava a fazer com a porcaria dos basaltos na mão e sentia vontade de chorar e rir ao mesmo tempo.
Elas vieram a correr abraçar-me e, claro, tornei-me a heroína dessas férias. Essa história foi contada, recontada e relembrada através dos tempos, sempre com muitas risadas e palmadinhas nas costas á mistura. Mas isto foi lealdade.
Lealdade era eu, a minha irmã, os meus pais e avós á volta da mesa, barulhentos e divertidos, primeiro nos tempos difíceis, depois no tempo das vacas gordas. Depois eu e os meus pais e a minha própria família, depois eu a minha mãe e a minha filha e agora…
E agora eu e tu…
Vi o teu olhar sonolento a mirar-me e viraste-te para mim observando-me atentamente enquanto rodopiava apressada e já atrasada, hoje de manhã. Alimentei os peixinhos vermelhos, tomei o pequeno almoço, deixei tudo preparado para passares o teu dia confortável e só depois saí. E deixei-te a porta aberta, mas tu nem sequer tentaste ir atrás de mim.
E é a isto que chamas lealdade?
Carambas Bóbi! Mas que raio de cão és tu?

Paula Abreu
em 3/8/2012

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